Meio&Mensagem

Maratona mental

Impacto da pandemia no bem-estar emocional da população e no modelo de trabalho, leva empresas a iniciar corrida pelo cuidado da saúde mental de seus colaboradores

Taís Farias Ribeiro

Crédito: Shutterstock

Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a pandemia global do novo coronavírus. Até a metade deste mês, fechamento desta edição, cerca de 4,09 milhões de pessoas  haviam morrido de Covid-19 no mundo, mais de 542 mil só no Brasil. O impacto da pandemia em todas as instâncias da sociedade é inegável e, em alguns lugares ao redor do globo, como é o caso do País, a  crise sanitária se soma a problemas políticos e econômicos que elevam a instabilidade e o medo. Essa pesada bagagem vem sendo carregada pelos brasileiros há um ano e quatro meses. Em meio a esse cenário, nunca se pesquisou tanto por termos relacionados a transtornos mentais. Dados do Google publicados pelo Estadão, em setembro do ano passado, apontaram alta de 98% nas buscas sobre o tema em 2020, na comparação com a média registrada nos anos anteriores. A pergunta “Como lidar com a ansiedade?” bateu recordes de busca, com crescimento de 33%, em relação a 2019.

Em abril, o estudo “One Year of Covid-19”, realizado pela Ipsos, para o Fórum Econômico Mundial, em 30 países, revelou que 53% das pessoas entrevistadas acreditam que sua saúde mental mudou para pior desde o início da pandemia, enquanto 34% não notaram diferença e 14% indicaram melhora em seu bem-estar. No levantamento, os índices registrados levaram o Brasil à quinta posição entre as populações que mais sentiram os impactos da Covid-19 em sua saúde mental. No topo do ranking estão Turquia, onde 61% dos entrevistados relataram piora no bem-estar emocional, Hungria (56%) e Chile (56%). Os que menos sentiram foram chineses (20%), indianos (27%) e australianos (32%).

Já os dados da nona edição do Barômetro Covid-19, realizado pela Kantar, em abril deste ano, revelaram que os jovens são os mais afetados. Cerca de 49% dos entrevistados entre 18 e 24 anos apontaram ter sentido os efeitos da crise na saúde mental. Aqueles com idade de 25 a 34 anos aparecem com 45%. O mesmo foi relatado por 29% daqueles que têm mais de 65 anos. O impacto econômico corrobora com esse panorama. No mesmo estudo, 54% dos entrevistados afirmaram ter tido sua renda afetada pela  pandemia. Os jovens de 18 a 24 anos são o destaque novamente: 62% dos respondentes desta faixa
etária tiveram seus rendimentos afetados.

Guilherme Spadini, médico psiquiatra e professor na The School of Life, escola que pretende desenvolver a inteligência emocional por meio da cultura, com cursos, programas e serviços, afirma, que nas últimas décadas, a sociedade tem avançado em acabar com os estigmas que envolvem a saúde mental. O profissional lembra que, há alguns anos, o diálogo sobre transtornos, como ansiedade e depressão, era limitado. No entanto, o psiquiatra destaca que o avanço do tema não significa
que as pessoas estejam sofrendo menos. “Apesar da melhora, continuamos vendo os dados aumentarem.
A Covid-19 foi bem complexa em termos de saúde mental”, declara. Segundo o médico, uma série de fatores impactaram o bem-estar emocional da população nos últimos 16 meses. O medo gerado pela doença e a crise, o distanciamento prolongado, os processos de luto e a estafa mental gerada pela longa duração da pandemia.

A camada da sociedade que teve a oportunidade de trabalhar de maneira remota também encarou novas possibilidades e desafios. Os reflexos da pandemia no bem-estar emocional são tantos, que podem  chegar até ao consumo. Para Spadini, a ansiedade prolongada pode levar a uma busca excessiva por consumo. Por outro lado, há uma procura por experiências mais significativas e conectadas com o propósito. “É preciso aprender a cuidar prioritariamente do nosso bem-estar e não da produtividade”, defende o médico psiquiatra.

Era do burnout
A busca incessante pela produtividade está no limiar de outro tema importante quando o assunto é saúde mental, o burnout. Descrita como síndrome resultante de estresse crônico, não administrado com êxito, no local de trabalho, a síndrome de burnout foi incluída na Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2019. A inclusão entra em vigor a partir de janeiro de 2022. A OMS esclarece que a síndrome de burnout está diretamente relacionada ao trabalho e inclui sintomas como cansaço mental e físico excessivos, insônia, dificuldade de concentração e apatia. Apesar da ausência de estudos relacionando burnout e pandemia, há preocupação geral de que o contexto criado pela Covid-19 impulsione a síndrome e quadros de ansiedade e depressão.

Em abril deste ano, pesquisa da Amcham nacional ouviu 199 lideranças de empresas pequenas, médias, grandes e de startups. Desse total, 49% afirmaram que a preocupação com a saúde mental de seus colaboradores é alta, 43% categorizaram como média e 8%, como baixa. Para 45%, a preocupação com a estabilidade emocional se estende para todos os níveis da organização. Ao mesmo tempo, a maioria (62%) dos gestores apontou que as lideranças estão parcialmente aptas a lidar com o desafio de serem redutores de ansiedade nas organizações. Apenas 17% responderam que suas lideranças estariam plenamente prontas.

Para quem vem acompanhando o desenvolvimento do tema, fica claro que a pandemia não criou, mas intensificou a busca das empresas por medidas mais efetivas no que diz respeito à saúde mental e ao bem-estar de seus funcionários. “Há praticamente três anos as pessoas não falavam sobre isso, mas, desde que a pandemia começou, o tema se tornou a pauta principal dentro das empresas”, indica Erika Moraes, gerente de recrutamento da Robert Half, empresa global de consultoria de recursos humanos.

Daniela Diniz, diretora de conteúdo e relações institucionais do Great Place to Work, associa esse movimento ao fato de a pandemia criar um alerta sobre o assunto e as pessoas estarem, de fato, mais doentes. Nesse sentido, para além de todos os fatores característicos do momento, como o isolamento, o luto e o medo, a mudança brusca no modelo de trabalho, a sobrecarga e a instabilidade nos empregos têm papel considerável nesta conta.

“Costumo dizer que não estamos em home office, estamos enfrentando uma pandemia trabalhando de casa”, ilustra Deborah Abisaber, head de D&I no Nubank. A gerente de recrutamento da Robert Half defende que, com a mudança para o home office, a revisão dos processos e entregas se fez necessária não só por questão operacional, mas para não prejudicar equipes. No entanto, nem todas as companhias foram capazes de responder dessa maneira. “As empresas não se prepararam, não tinham times e estratégias de trabalho desenvolvidas. Por isso, houve uma sobrecarga muito grande”, afirma Erika. “Quando falamos de saúde mental, não podemos ficar só no campo comportamental sem olhar para a estrutura que está por trás”, acrescenta a executiva.

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